Um fantasma ronda o mundo: o aquecimento global. O aumento das temperaturas médias nas últimas décadas deixou de ser creditada à visão delirante e catastrofista dos ambientalistas radicais. Desde a criação em 1988 pela Assembléia Geral da ONU, do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, sigla em inglês) e a assinatura da Convenção-Quadro das Mudanças Climáticas na Rio-92, sucessivos informes embasam um consenso científico de que o modelo de produção dependente da utilização de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural) e o desmatamento de florestas, estão interferindo diretamente nos ciclos vitais da biosfera de modo caótico, colocando na agenda dos governos e da sociedade um impasse de caráter multicivilizacional e planetário que impacta na vida de todos os seres humanos indistintamente.
Além da ciência e dos ecologistas, os mercados financeiros e consumidores já estão sendo envolvidos neste debate não como expectadores, mas como partes diretamente interessada na resolução dessa questão emblemática e urgente. Hoje é hegemônica a posição de que as atividades humanas influenciam nas alterações climáticas, tornando o nosso planeta mais quente e perigoso.
O aquecimento global deriva da concentração excessiva de gases do efeito estufa (dióxido de carbono, ozônio, metano, óxido nitroso), cujo processo se intensificou deste a revolução industrial, no final do século XVIII, no bojo da modernização capitalista, se acelerando nos últimos anos pelas altas taxas de emissões desses gases oriundos das economias desenvolvidas, que adotam padrões de produção altamente intensivos em energia não-renovável e estilos de consumo suntuário. Estas mudanças estão provocando graves problemas políticos, ambientais, sociais e econômicos: aumento dos níveis dos mares, ciclones, tufões, furacões, secas, enchentes, queimadas; enfim, um conjunto de transformações expondo uma crise mundial sistêmica, projetando desequilíbrios perturbadores que já ameaçam a segurança de povos e promovem perdas materiais consideráveis.
São inúmeras as pesquisas e cenários sobre as consequências das mudanças climáticas divulgadas no âmbito dos organismos multilaterais e instituições governamentais. O último informe da ONU aponta que seis dos sete anos com maiores temperaturas já registrados aconteceram depois de 2001 e parte dos danos causados pelo aquecimento global é irreversível. No “Relatório Stern”, encomendado pelo governo britânico, o mais completo estudo realizado sobre as mudanças climáticas, o ex-economista Chefe do Banco Mundial Nicholas Stern calcula que o combate ao aquecimento global tem um custo hoje de US$ 7 trilhões em dez anos, e que os gastos para estabilizar a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa seriam equivalentes a 1% do Produto Interno Bruto mundial até 2050.
Como se pode constatar, este diagnóstico exige decisões e objetivos mais ousados, para além das iniciativas do frágil e solitário Protocolo de Kyoto, acordo que exige que os países desenvolvidos diminuam, até 2012, o volume de suas emissões para 5% abaixo dos patamares verificados em 1990. Este regime internacional não envolveu três dos quatro maiores poluidores dos dias de hoje – os EUA, que se retiraram do tratado, a Índia e a China.
Apesar do horizonte pessimista delineado por James Lovelock, autor da famosa Teoria Gaia (que compara o planeta terra a um grande organismo vivo), de que as mudanças climáticas já atingiram um ponto irreversível e que nossa civilização dificilmente sobreviverá, ainda é possível alimentar a esperança de uma sociedade menos poluída, movida por fontes naturais renováveis. Várias são as opções: energia solar, energia eólica, aproveitamento da biomassa, células de hidrogênio, resultando numa possível combinação de alternativas tecnológicas consideradas ‘limpas’, que poderiam ajudar na construção de um ambiente mais saudável no planeta.
O Brasil pode dar uma grande contribuição para mitigar os efeitos do aquecimento global, se estabelecer uma política que diminua drasticamente as taxas de desmatamento da Amazônia, fenômeno responsável por 75% das emissões brasileiras, além de priorizar investimentos em fontes renováveis que são abundantes no país. As experiências do Álcool e do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) são estratégias inteligentes de sustentabilidade energética e vetores de exportações nacionais num cenário pós-Era do Petróleo.
O aquecimento global é certamente um dos principais desafios da governança mundial neste século, e o compromisso com essa governança requer não somente ações governamentais, mas também o envolvimento de todos os segmentos da sociedade. Opção pelo uso de transportes coletivos, plantio de árvores, reciclagem do lixo, consumo responsável, são mudanças de comportamento que podem fazer a diferença na melhoria da qualidade de vida local e global. Como observou André Trigueiro, jornalista e apresentador do Globo News: “Se não dermos a devida resposta à ameaça que nos espreita, ficaremos marcados na História como a civilização que teve a competência de diagnosticar a maior de todas as tragédias ambientais sem que isso tenha justificado uma ampla mobilização da sociedade”. Não há mais tempo a perder.
* Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. Professor da UFPA.